As Escolas libertárias em Porto Alegre (1906-1936)

As Escolas libertárias em Porto Alegre (1906-1936)

O movimento anarquista começou a se estruturar de forma mais orgânica em Porto Alegre a partir do ano de 1906, com a atuação de seus militantes na Greve Geral de 1906 e com a fundação do jornal A Luta, que seria o porta voz de suas ideias entre a classe trabalhadora. A partir desse período os libertários também ampliam sua atuação na União Operária Internacional, que vai se constituir na principal associação ácrata da capital. Além de atuar no sindicato de trabalhadores e propagar suas ideias pela imprensa, outra caraterística da ação anarquista foi a fundação de escolas. Com efeito, os militantes acreditavam na força da pedagogia libertária para que as crianças crescessem com autonomia, longe dos preconceitos e se preparassem para a construção de um novo mundo, para tanto se formaram centros de educação sob os preceitos de educadores como Koprotkin, Eliseu Reclus e Francisco Ferrer.

O primeiro centro educacional sob influência da pedagogia libertária criado em Porto Alegre foi a Escola Eliseu Reclus, que funcionava provavelmente na barbearia de Stephan Michalski, na Rua dos Andradas, n.64 (post. n.768), que também era o mesmo endereço do jornal A Luta. Em 1907, a Escola mudou seu endereço para a Rua General Câmara, n.24 (post. 264), local em que dividia com o Grupo Filodramático Libertário, responsável pela montagem de peças de teatro. Alguns anos depois, em 1911, a Escola é reestruturada em novo endereço, na Rua da Conceição, n.22 (post. 410), mais próximo da Estação Ferroviária e do arrabalde operário do Floresta. Também nesse endereço, a Escola dividia seu espaço com o jornal A Luta.

A partir do ano de 1910, as associações sindicais de Porto Alegre, especialmente a Federação Operária (FORGS), se engajaram em um grande projeto que foi o Atheneu Operário. Sua localização era estratégica, no Campo da Várzea, de frente para Rua Felipe Camarão (atualmente, correspondente à Igreja do Espírito Santo). A construção do prédio se iniciou em 1911, sendo projetado para ter salas destinadas às aulas, conferências, reuniões e bibliotecas. O desejo era que este se tornasse um ponto de referência para os trabalhadores na cidade. A Primeira Guerra atrasou a sua construção e depois da Greve de 1917, surgiu (da parte dos socialistas) a proposta de acordo com a Intendência para sua finalização, o que foi duramente criticado pelos libertários. Depois da retomada de hegemonia dos anarquistas no movimento operário, em 1918, a ideia acabou sendo abandonada.

Enquanto o Atheneu permanecia em construção, os educadores anarquistas procuraram estabelecer escolas anexas nas associações de classe. No ano de 1911, a Escola Eliseu Reclus passou a funcionar junto com a União Operária Internacional, na Rua da Aurora, n.60 (post. Rua Doutor Barros Cassal, n.250). Durante este mesmo ano de 1911, os anarquistas passaram a ter uma posição hegemônica na Federação Operária do Rio Grande do Sul, o que vai resultar em uma nova dinâmica para as associações sindicais da capital. A FORGS ocupou uma nova sede, na Rua Santo Antônio, n.157 (post.804), no qual se reuniam diversos sindicatos e onde foi estabelecida uma Escola Operária a partir de 1912.

Um dos maiores e mais duradouros projetos influenciados pela pedagogia libertária foi a Escola Moderna, criada a partir do modelo pedagógico de Francisco Ferrer. Nesse projeto estiveram envolvidos grandes intelectuais como Djalma Fettermann, Polidoro Santos, Zenon de Almeida e Lyra Pinto Bandeira. Também estiveram envolvidos em seu desenvolvimento a família Martins, tanto no papel de docentes quanto de discentes, com nomes como Eulina, Henrique, Malvina, Espertirina, Platão, Antônio, Dulcina, Virgínia e Nino Martins. Na ação educacional dessa família, também se encontra a influência da Professora Malvina Tavares, uma das pioneiras da pedagogia libertária no Rio Grande do Sul.

A primeira sede da Escola Moderna, depois desta ser criada em 1914, foi na Rua Voluntários da Pátria, n.711 (post.3641), em pleno bairro industrial de Navegantes. Em 1916 ela mudou de endereço, sendo instalada na Rua Ramiro Barcelos, n.197 (post.1548), às portas da Colônia Africana. Essa foi uma das primeiras associações anarquistas da região, iniciando uma tradição organizativa ligada aos libertários que se estenderia pela próxima década. Foi um espaço de exercício da pedagogia libertária, mas também foi o local de encontros e reuniões importantes, como na ocasião em que os militantes operários decidiram aderir à Insurreição Operária de outubro de 1919, que teve seu início em São Paulo, mas acabou por ser duramente reprimida.

O início da década de 1920 foi um momento turbulento para o movimento operário, com disputas internas e divisões que levaram ao fechamento da Escola Moderna. Nesse momento é registrada a existência de uma Freie Schule (Escola Livre), na Rua Sertório, n.111 (post.776), que parece estar sob influência do anarquista alemão Friedrich Kniestedt. Um projeto mais consistente, no entanto, vai ser desenvolvido a partir de 1923, com a reativação da Sociedade Pró-Ensino Racionalista, que procura retomar os princípios da antiga Escola Moderna.

A Sociedade Pró-Ensino Racionalista foi criada em 1916, tendo como finalidade a publicação de uma revista e de livros para difundir as ideias do ensino libertário; sua existência foi retomada em 1923, tendo como sede provisória a Rua General Vitorino, n.58 (post.300). No ano seguinte, em 1924, a Sociedade aparece se reunindo no Salão Modelo, na Rua Casemiro de Abreu, n.49 (n.246), no coração da Colônia Africana. Em 1925, inaugura-se uma aula noturna no mesmo arrabalde, na Rua São Manoel, n.349 (post.109) e posteriormente surge uma nova Escola Moderna, na Rua Esperança, n.74 (post. Rua Miguel Tostes, n.596).

O projeto da retomada do ensino libertário sofre dois baques nessa década: o primeiro é a morte de seu grande incentivador, Polidoro Santos, no ano de 1925 e o outro é o empastelamento da Escola da Rua Esperança, em 1927, pela Brigada Militar. O local, que era também moradia de Francisco Grecco e Cantalice Silva Grecco, foi destruído e os livros foram queimados. Com a perda de força das organizações anarquistas, se torna mais difícil organizar projetos grandes como as Escolas Modernas, mas no ano de 1936 ainda é registrada a existência de uma Aula Francisco Ferrer junto ao Sindicato Padeiral, na Rua São Manoel, n.43, mostrando a persistência dessas iniciativas educacionais mesmo em tempos de repressão.

Obs: Os números entre parênteses (post.), indicam os números posteriores às modificações realizadas pela intendência municipal a partir de 1927, que correspondem à localização contemporânea.

Mapa construído a partir do Google My Maps

Jornais Consultados:

A Federação. Porto Alegre, 8/4/1911; 23/9/1916; 11/6/1923 e 15/2/1936.

A Luta. Porto Alegre, 13/9/1906; 2/1/1907; 15/5/1907; 1/07/1910 e 18/02/1911.

A Voz do Trabalhador. Porto Alegre, 11/08/1912.

Correio do Povo. Porto Alegre, 27/5/1911; 8/3/1914 e 29/3/1914.

Der Freie Arbeiter. Porto Alegre, 28/9/1920 e 20/6/1925.

O Diário. Porto Alegre, 1/10/1911.

O Exemplo. Porto Alegre, 21/12/1924.

O Syndicalista. Porto Alegre, 24/10/1925.

Bibliografia:

ARAVANIS, Evangelia. Uma utopia anarquista: o projeto social dos anarquistas do periódico A LUTA e o seu desejo de mudar o rumo da história em Porto Alegre (1906-1907). Porto Alegre: PPG em História da UFRGS, 1997. (Dissertação de Mestrado)

BILHÃO, Isabel Aparecida. Identidade e trabalho. Uma história do operariado porto-alegrense (1898-1920). Londrina: EDUEL, 2008.

KNIESTEDT, Friedrich. (René Gertz, org.). Memórias de um imigrante anarquista. Porto Alegre: EST Edições, 1989.

GHIRALDELLI JÚNIOR. Paulo. Educação e movimento operário. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1987.

OLIVEIRA, Juliana Matosinho de. Embates pela educação: as iniciativas libertárias de ensino e o Estado na primeira república em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Departamento de História da UFRGS, 2009. (Trabalho de Conclusão de Curso)

PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. “Que a União Operária Seja Nossa Pátria!”. História das lutas dos operários gaúchos para construírem suas organizações. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Santa Maria: Editora da UFSM, 2001.

RODRIGUES, Edgar. Os Companheiros. Volume 1. Rio de Janeiro: VJR Editores Associados, 1994.


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