Edição Original: The Abolition of Work and Other Myths Kick it Over, n. 35 Toronto, 1995
Ilustração da capa: autoria desconhecida
Tradução e Diagramação: Ateneu Diego Giménez COB-AIT 2011
A ABOLIÇÃO DO TRABALHO E OUTROS MITOS
Certo. Então todo mundo odeia trabalho. A aversão ao trabalho parece ser endêmica através de culturas e através do tempo. Em muitas culturas, visões de liberdade do trabalho abundam. A vida descuidada do gafanhoto que consome sem armazenar bens para o inverno continua a nos atrair, e a vida da monótona e pedestre formiga operária atrai nosso escárnio. Tanto em tempos antigos quanto na cultura contemporânea, o potencial da máquina em aliviar nosso trabalho também provou ser fascinante. O poema épico do povo finlandês, o Kalevala, por exemplo, inclui uma estória sobre uma máquina maravilhosa, a Sampo, que interminavelmente produz riqueza. Ao longo da história das culturas ocidentais, tais máquinas de movimento perpétuo detinham uma fascinação contínua.
Apesar destas deliciosas fantasias de ócio, prazer infinito e riqueza, todas as culturas também trataram da necessidade de o indivíduo trabalhar. Viver é trabalhar e muito da vida é gasto na atividade econômica. Seja o trabalho visto como um meio de alcançar algum peso espiritual ou salvação individual ou como uma maldição por transgressões prévias, todas as grandes religiões do mundo, por exemplo, repreendem o folgado, e algumas elevam o trabalho ao nível de um primeiro princípio. A maior parte do pensamento político também ou supõe o valor do trabalho, ou o requer, pelo bem coletivo. A sobrevivência básica é, claro, um pré-requisito quando pensamos a respeito da necessidade de trabalhar.
Quase desde seu início, o pensamento anarquista também refletiu duas filosofias distintas do trabalho: uma escola convoca a abolição do trabalho, a outra supõe a necessidade do trabalho. Para a última escola, a questão política central se torna quem controla o processo de trabalho e seus produtos ou seus resultados. Anarquistas também se dividem quanto aos méritos relativos da tecnologia, defendendo uma de três alternativas: uma aceitação desavergonhada do avanço tecnológico ao serviço do trabalhador; uma convocação primitivista ao retorno à natureza totalmente livre de tecnologia; ou uma agressiva hostilidade ludita frente à tecnologia e ao domínio da máquina. Eu gostaria de explorar brevemente várias destas posições.
O argumento para a abolição do trabalho pode tomar uma de diversas rotas: uma crítica ao trabalho que entorpece a mente criado pela divisão do trabalho; uma rejeição da tecnologia e um retorno a um estilo de vida mais simples, livre das restrições do controle centralizado pelo capital e pela máquina; uma apropriação do tempo “do chefe” para trabalho pessoal; ou uma recusa direta ao trabalho e a apropriação pessoal do trabalho de outrem através de ocupação, roubo etc. Há problemas sérios com alguns dos argumentos pela abolição do trabalho. Na melhor das situações, eles são maldirecionados e tolos. Na pior, eles são contraproducentes à vida da comunidade e pura e simplesmente irresponsáveis.
1) A ideia de não trabalhar é simpática, mas simplista e não realista. Se a crítica do que nós viemos a chamar de “trabalho” é feita com a intenção de encorajar a resistência à exploração do trabalho pelo sistema de trabalho assalariado, o objetivo é bom. Mas junto com a crítica deve vir um plano responsável para fazer com que o trabalho da sociedade a longo prazo seja cumprido.
2) A recusa a trabalhar é arrogante, e provavelmente também um pouco infantil. É certamente individualista e interesseira. Eu posso arriscar uma observação de que esta filosofia é provavelmente atraente em especial aos jovens e fortes e saudáveis que não possuem responsabilidades (ou que pensam que não têm responsabilidades) pelo cuidado de outrem. Alguns argumentos para a abolição do trabalho são fundados na ideologia de uma ética de trabalho pessoal e individual ao invés de uma ética social, por exemplo, “eu não tenho responsabilidade para com ninguém além de mim mesmo”.
3) Requerer o direito de ser preguiçoso ou se recusar a trabalhar é uma posição apenas de resistência. Ela é querida em sua egocentrabilidade, e é basicamente irresponsável socialmente. Como diversas coisas na fragmentada cultura contemporânea, ao invés de ser uma posição libertadora, ela é ao invés disso simbólica do quão impotentes as pessoas se sentem. “Largar” é basicamente uma declaração de desespero político, e é uma resposta niilista moderna que infelizmente remove bastante efetivamente o indivíduo da arena política (supondo a definição clássica de política como um ato coletivo). Largar também é um ato individualista que é uma ferramenta política bastante inefetiva. O individualismo é ao mesmo tempo uma força e uma fraqueza do ativismo político. Um dos problemas principais é que todos os problemas da cultura individualista moderna podem ser reduzidos (como é o nosso consumo) à escolha ou culpa individual. Por exemplo, nossos céus estão repletos com poluição, mas ao invés de irmos atrás dos poluidores, nós contestamos cada um individualmente a respeito de nossos hábitos tabagistas; quando salários são reduzidos ou empregos são eliminados para criar mais lucros para a corporação, nós nos voltamos uns para os outros e o ambiente de trabalho se torna um campo de batalha que coloca um indivíduo contra o outro; nosso trabalho é maçante e monótono, então individualmente resolvemos o problema o largando. O que nós devemos exigir ao invés disso é o controle dos poluidores e o direito a controlar e a definir nosso trabalho. A exigência de ser preguiçoso é somente para se remover de uma situação desagradável. Ela não empodera aquele indivíduo. E uma política nascida, provavelmente, de uma sociedade de luxo onde alguns poucos que não estão presos no “sistema” podem ficar do lado de fora e ridicularizar o resto de nós.
4) Voltar à natureza para viver a níveis de sobrevivência poderia funcionar, mas somente em um clima do sul, com uma população controlada e em uma biosfera regional ecologicamente balanceada e um ambiente que produzisse comida o suficiente para forrageamento. Aqueles de nós vivendo nos climas do norte temos que trabalhar bastante para sobreviver.
5) Outro argumento prometendo liberdade do trabalho está implícito em nossa cultura moderna, e ao passo que ele não é necessariamente um argumento anarquista, ele parece estar implícito em algumas das críticas ao trabalho, aquele que diz que não precisamos trabalhar porque a tecnologia irá nos salvar e as máquinas farão tudo por nós. Esta crença é a base tanto de pautas capitalistas como marxistas, e apesar de não estar explícita em argumentos anarquistas (que tendem geralmente a suspeitar da tecnologia e do seu resultante controle centralizado), a suposição implícita é a de que nós poderemos nos entreter em uma vida de ócio porque nós precisaremos trabalhar menos horas, ou nenhuma, para alcançar os mesmos níveis de produção. A ideia de não trabalhar é somente uma extensão da demanda por uma jornada de trabalho de 4 horas, neste argumento.
A despeito do chamado de Paul LaFargue no século 19 pelo direito a ser preguiçoso e das recentes exortações de Bob Black, parece que o trabalho está conosco e continuará conosco, mesmo se nós nos mantivermos comprometidos a um alto nível de desenvolvimento científico. Por sua própria natureza, o trabalho requer um compromisso de longo prazo. Muito do trabalho a ser feito na sociedade não é uma questão de escolha. E muito trabalho certamente não será excitante, ou necessariamente criativo. As fraldas sujas do bebê devem ser trocadas; sementes precisam ser plantadas e cultivadas, a comida recolhida, armazenada de diversas maneiras, preparada e cozida (ainda mais nos climas do norte); combustível e abrigo devem ser arranjados para resfriamento e aquecimento; as crianças precisam ser cuidadas, pessoas precisam ser curadas, vestidas. Em grande parte do mundo, este trabalho é feito por mulheres. Para pessoas que vivem fora do sistema salarial em especial, o trabalho – o trabalho manual – é a norma para a sobrevivência. De fato, o preço da liberdade da escravidão salarial industrial é muito provavelmente mais trabalho ao invés de menos. Ademais, se nos mantivermos comprometidos com nossas sociedades urbanas/industriais modernas e centralizadas, no mínimo uma vasta infraestrutura precisa ser mantida e o trabalho deve permanecer altamente coordenado e especializado. As ruas e as calçadas devem ser reparadas, o lixo deve ser removido, a água precisa ser trazida para as pessoas, e os resíduos devem ser levados e processados de maneiras ambientalmente seguras. Os motores que levantam os elevadores precisam funcionar, a calefação, a água, a eletricidade e a telefonia precisam ser mantidas. “Alguém” precisa fazer todo este trabalho – cooperativamente, individualmente, por sorteio, por coerção – o trabalho precisa ser feito.
Há certas opções, certas escolhas que podemos fazer para organizar nosso trabalho de uma maneira mais significativa, todavia. Algumas das soluções são econômicas, algumas pessoais, mas todas são políticas, é claro. Muitas são também questões mais profundas, questões éticas. Para mudar a natureza do trabalho no século 21, nós precisamos nos dirigir à mudança em todas as áreas de nossa sociedade que apoiam o atual ambiente de trabalho: se nós devemos continuar a centralização do capital e o controle privado do capital e os lucros produzidos por este sistema financeiro; se a divisão do trabalho que nós estabelecemos é humana e produtiva para o indivíduo fazendo o trabalho; o nível de avanço tecnológico que nós desejamos alcançar; os custos ambientais que pagamos por nosso padrão de vida; e se nós iremos continuar a nos estimular artificialmente para incentivar o consumo obsessivo. Nós precisamos nos dirigir a questões sobre o quanto nós queremos trabalhar e como nós iremos cumprir esse trabalho; o estilo de vida, o nível de consumo que desejamos; o impacto que queremos causar sobre nossos ambientes, o nível de poluição que nós iremos aceitar.
Uma de nossas primeiras tarefas é identificar as necessidades humanas básicas e o quanto é “o suficiente”. O próximo passo é adotar uma estrutura econômica que garanta estas necessidades básicas e estabeleça limites sobre o consumo. Paul Goodman e outros propuseram uma economia de duas camadas: um nível desenvolvido para atender a necessidades sociais coletivas básicas, e o outro devotado a gratificar vontades e desejos individuais. Nesta economia, todo mundo que é apto deveria ser requisitado a trabalhar para assegurar para si mesmo uma renda mínima garantida que cobriria as necessidades individuais básicas e os custos de construção e manutenção da infraestrutura coletiva. As pessoas seriam requisitadas a trabalhar 5 de cada 7 anos (com dois anos de descanso). Cada indivíduo também teria uma oportunidade de trabalhar em um desses anos para receber dinheiro adicional para consumir a níveis mais elevados. Um ano de descanso seria requerido. A quantidade de renda recebida na economia de segundo nível poderia ser limitada para controlar o consumo médio. A economia de segundo nível permitiria um certo grau de escolha individual. A renda total recebida por qualquer indivíduo idealmente seria limitada a não mais que cinco vezes o nível de renda garantido. O “trabalho” que é realmente maçante, monótono, perigoso ou repulsivo poderia ser repartido entre aqueles que escolhessem fazê-lo, em troca de menos horas de trabalho requisitado deles (como mineiros, que trabalham em situações perigosas). As próprias tarefas difíceis poderiam ser rotacionadas. Parte de nossa resistência ao trabalho é a natureza árdua dele. Se nós pudermos estruturar especialmente as tarefas mais onerosas de modo com que um indivíduo não carregue este fardo sozinho e não tenha que fazer aquele trabalho por longos períodos de tempo, isso tornará aquele trabalho mais fácil a longo prazo e sujeitará os indivíduos a menos risco e perigo à sua saúde no geral.
Esta economia de duas camadas, entretanto, claramente teria que ser uma economia “controlada”, mas requereria um mínimo de trabalho da maioria das pessoas. Muitos anarquistas objetariam a tal sugestão, mas seus méritos são óbvios: ela controlaria o consumo, ou pelo menos o desaceleraria, já que a maioria das pessoas provavelmente preferiria não trabalhar tanto e ter dois anos de folga; ela aliviaria bastante ansiedade quanto à satisfação de necessidades básicas; ela distribuiria a riqueza mais equitativamente; ela permitiria liberdade individual no consumo e compartilharia o trabalho.
Nós precisamos mais uma vez convocar uma reavaliação da direção do desenvolvimento tecnológico. Apesar da forte atração do retorno à natureza, é altamente improvável e provavelmente extremamente irrealista que a maioria das pessoas abandonem os confortos de uma sociedade tecnológica pelo trabalho estafante da fazenda rural do século 19. Quais tecnologias, e se elas devem ser perseguidas, todavia, deve ser colocado sob o controle e a direção da sociedade como um todo. Nós devemos conscientemente colocar limites em nosso desenvolvimento científico. Só porque nós podemos conceber que a maneira mais eficiente de estripar galinhas é ter alguém que repita o mesmo movimento o dia inteiro, não significa que devamos fazer o trabalho desta maneira e danificar permanentemente os túneis carpais do operário. Nós também devemos exigir tecnologias ambientalmente seguras.
Um de nossos valores deveria ser pisar tão leve sobre a terra quanto pudermos. Nós poderíamos começar fazendo coisas que duram. Isto será uma completa reviravolta e contradição à nossa sociedade consumista. Nós nos tornamos viciados em novidades e a jogar fora o que não mais nos entretém. Mas qual é a natureza real do “novo”, e porque nós o desejamos tão intensamente? Talvez seja a falha de desafios criativos de nossa parte que nos leva a desejá-los a partir de um conjunto mutável de coisas. Nós poderíamos decidir, por exemplo, usar uniformes resolutos e dirigir o mesmo carro bem construído, mas isso nos daria o orgulho aparente na autorrepresentação que desejamos? Nós precisamos consumir coisas ou a pintura facial nos permitiria autoexpressão individual? Nós devemos encontrar uma maneira de fazer afirmações sobre nós mesmos de maneiras que não necessitem de consumo obsessivo. Eu fui surpreendida recentemente pelo fato de que na Rússia há uma escassez de cestas de lixo – um sinal confiável de que a sociedade não parece ter muito a jogar fora de uma maneira sistemática. (Mas eles estão chegando lá, infelizmente.)
Nós também devemos considerar maneiras de superar a generalização da alienação pessoal do trabalho. Alguns dos argumentos pela abolição do trabalho são vociferações contra o trabalho assalariado, o trabalho sem sentido, o trabalho repetitivo e entorpecedor, o trabalho desnecessário, o trabalho fragmentado – trabalho sobre o qual o operário não tem controle. O bom trabalho é/de veria ser um meio para que o eu se centre. O bom trabalho convoca energias e recursos criativos, requer integração dos esforços intelectuais e físicos. A filosofia pós-mortem do trabalho é desmembrar cada tarefa, reduzi-la ao menor ato inconsequente e então encarregar um engenheiro de mecanizar as tarefas de maneira mais eficiente. Isto rouba a essência da tarefa, e a satisfação do trabalhador.
Mesmo nossa filosofia sucumbiu ao feitiço desta visão de mundo mecanicista e tecnológica. O pós-modernismo como uma “filosofia” (o que ele não é, é apenas uma revolta contra, sendo a mais precisa que consigo, praticamente tudo em seu caminho) começou como uma ferramenta para criticar a hegemonia dominante do capitalismo de consumo corporativo, mas se afundou em suas próprias técnicas reducionistas destrutivas. Agora não existe nenhum centro, e nós somos lançados à deriva em nossos próprios escassos recursos individuais. O pós-modernismo se tornou, ironicamente, o espelho perfeito da sociedade de consumo: não há história, não há continuidade, não há responsabilidade – somente a fascinação infantil com minúcias aleatórias, o “agora”, e a gratificação instantânea. Nosso trabalho também está fragmentado. A metodologia da divisão de trabalho aperfeiçoada pelo capitalismo industrial criou a linha de produção entorpecedora, a doença de movimento repetitivo e a administração “científica”. A divisão do trabalho resultou em um operário mecânico e um cidadão mecânico que também está fragmentado, canalizado em políticas de assunto único e estreiteza mental, tem baixo limiar de atenção e vive em total isolamento de outrem – tanto politicamente, ao não tomar parte na vida coletiva, quanto sendo socialmente irresponsável e egocentrado.
Nós poderíamos provavelmente reduzir o número de horas de trabalho requeridas em nossa sociedade por várias opções: se escolhêssemos uma abordagem tecnológica ao trabalho altamente desenvolvida e eliminássemos o lucro, poderíamos reduzir o número de horas requeridas para trabalho. Nós poderíamos também eliminar muitos processos tecnológicos. Quanto mais baixo formos na escala da tecnologia, há, é claro, ou aumentos correspondentes no trabalho, ou reduções na produção/consumo. Anarquistas tradicionalmente optaram por um nível mais baixo de tecnologia por causa do seu potencial de ser mais compatível com a descentralização do controle e sua necessidade de quantidades menores de capital.
Há muitos aspectos do bom trabalho que são importantes para nutrir o espírito humano individual e o bem-estar coletivo: o trabalho significativo nos dá um sentido de conclusão e contribui para a autossatisfação; ele também serve para agitar a imaginação e criar bem-estar intelectual. A labuta, por outro lado, é sub-humana, cria um ambiente de irresponsabilidade e indiferença intelectual. Sua repetição sem sentido estupidifica o espírito e erode os hábitos mentais da atenção e da curiosidade.
O bom trabalho tem a ver no final das contas com comunidade e democracia. O trabalho é mais satisfatório e gratificante quando é feito para outros e em cooperação com outros. É neste cenário que o eu pode realizar seu potencial de forma mais completa. Por exemplo, a arte é criada para ser consumida pela comunidade. O artesanato é desenhado com uma audiência apreciativa para completar sua beleza. O trabalho de fazer cultura/criar comunidade social/política é talvez o trabalho mais importante ao qual os seres humanos podem se lançar. Nossa alienação de todo trabalho consequentemente contribuiu, eu acredito, à nossa alienação um do outro e do “trabalho” de tornar as vidas coletivas significativas e satisfatórias. O “emprego” moderno contribuiu com a destruição da comunidade na qual o potencial humano é melhor realizado. Assim que as pessoas se desligam e escapam da labuta do que um escritor chama de “a proletarização do trabalho”, elas também escapam do envolv im ento em várias coisas, incluindo a comunidade política e social. A alienação do trabalho prossegue até a alienação um do outro. Se há bom trabalho a fazer, se recusar a trabalhar é se alienar, é dizer “eu não participarei”. Como seres humanos, nós temos a obrigação de contribuir, com um mínimo, ao trabalho de sobrevivência coletiva. Ninguém deveria ter o luxo de se recusar a trabalhar. Compartilhar neste trabalho de sobrevivência coletiva não é necessariamente opressor. Fazer isso pelos outros, para seu uso, sua satisfação, e saber e confiar que outros irão fazer o mesmo por você é a essência do trabalho. O que é opressor é o trabalho forçado, o trabalho explorado, o trabalho que cria bens e serviços não para aprimorar as conexões sociais, mas para serem mercantilizados, para câmbio. Nós precisamos de uma reestruturação radical do trabalho, não de sua abolição. E nós precisamos começar com a pergunta “o que nós fazemos uns para os outros?”, “qual é o nosso trabalho?”, não apenas perguntar um para o outro o que nós “fazemos”, qual é a nossa labuta individual, como nos encaixamos no sistema que nos isola. Quando nós tivermos verdadeiramente investido em nosso trabalho, nós resolveremos os problemas de quem irá cuidar das crianças, nos alimentar e nos vestir, construir nossos abrigos, plantar nossos jardins.
Os seguintes conceitos são críticos para o empoderamento individual e para o envolv im ento político/social na comunidade:
1) Faça o seu trabalho com os outros. O trabalho não alienado tem lugar em um contexto de interação com outras pessoas. Um dos importantes controles gerenciais sobre os operários no capitalismo industrial, por exemplo, é negar a eles o direito de conversar entre si no emprego. A participação é crítica para o desenvolvimento de economia significativa e para ação política efetiva. O trabalho deve ser com e para outros. A produção tem que emergir da comunidade e retornar à comunidade. Esta é a base de uma nova ética de trabalho.
2) Reconheça a necessidade da habilidade no trabalho. A mecanização do trabalho mata a curiosidade e o impulso humano resultante de se tornar engajado, envolvido, de aspirar a ser criativo. A mecanização também resiste à interrupção, o operário se torna observador, um assistente da máquina. Exija trabalho significativo.
3) Esteja no comando de suas próprias ações, em controle de seu trabalho.
4) Retome através de seu trabalho uma noção do todo, das maneiras com que as quais as partes se relacionam umas com as outras. A divisão do trabalho entorpece uma importante habilidade política – a habilidade de fazer conexões entre meios e fins. Um problema diferente mas relacionado está centrado em como uma visão de mundo mecanicista simplifica nossa compreensão de causa e efeito. Nós quase inconscientemente desenvolvemos uma preferência por explicações lógicas e mecanicistas, e ficamos impacientes com a ambiguidade. Nosso nível de frustração é aumentado acentuadamente em um mundo mecanicista rígido e nós perdemos nossa capacidade de apreciar e manejar a sutileza.
5) Simplifique os processos tecnológicos. De acordo com T. Fulano em uma série da Fifth State há alguns anos atrás sobre antitecnologia, a tecnologia em si mesma é um sistema de controle político: “O tamanho enorme, a interconexão complexa e a estratificação de tarefas que constituem os sistemas tecnológicos modernos tornam o comando autoritário necessário e a tomada de decisões independente e individual impossível” (1981). A simplificação da infraestrutura tecnológica também serviria, de acordo com E.F. Schumacher em Small Is Beautiful, para descentralizar o poder político e o controle do operário. Fatores organizacionais de infraestruturas tecnológicas que centralizam o poder e o controle incluem: tamanho elevado, hierarquia, especialização, padronização do produto e simplificação da tarefa. Os elementos de uma economia livre e democrática incluem as alternativas estruturais de menor tamanho, organização não hierárquica, trabalho cooperativo, diversidade de tarefas e produtos e complexidade de tarefas.
6) Abole a propriedade privada dos meios de produção. Uma nova economia social exige um reexame do conceito de propriedade privada dos meios de produção. Apesar do fato de que algumas formas de socialismo “falharam”, nós ainda mantemos problemas do capitalismo que Karl Marx identificou há mais de cem anos atrás.
Uma nova abordagem à economia mundial também deve ser desenvolvida. A economia global está “aqui” e nós criamos muito poucas estratégias sobre como responder a ela. Para começar, talvez, nós devemos exigir que salários ao nível de sobrevivência sejam garantidos em cada economia. Uma renda mínima garantida global retardaria o movimento incansável do capital até que meios possam ser colocados em prática para retomar o controle sobre o lucro e o investimento. O valor adicionado ao trabalho em qualquer mercado de trabalho em particular deveria permanecer no mercado no qual ele foi criado exceto para reembolsar os criadores do desenvolvimento econômico por seu investimento e seu trabalho em criar as fábricas/empregos. Os preços também precisam ser estabilizados mundialmente em uma escala relativa aos valores comparativos das moedas correntes. A calça jeans nos Estados Unidos deve custar $20; na Rússia, somente $5, refletindo o valor relativo do dólar e da rúpia. O custo de toda a infraestrutura requerida por uma indústria em particular deve ser suportado inteiramente por aquela indústria: estradas, detritos, necessidade de energia, transporte público para os trabalhadores, etc. A responsabilidade corporativa para com as comunidades deve ser afirmada e institucionalizada em lei. O capital pode ser móvel, mas as pessoas geralmente não o são, então um cuidado especial deve ser tomado quando as companhias tentam se realocar. Todos os recursos contribuídos para aquela indústria/companhia pelos trabalhadores naquela comunidade deve permanecer como propriedade daquela comunidade. As companhias devem encontrar maneiras de continuar os empregos naquela comunidade. Uma razão mais persuasiva que o lucro, um suprimento de trabalho mais barato ou regulamentações ambientais frouxas deve ser dada antes que uma companhia seja permitida a remover seu investimento para um novo sítio. Abolir o financiamento de aumento de imposto. Requerer que as corporações paguem pelo menos 50 por cento de lucro em impostos. Muitas destas sugestões são mais voltadas à reforma do que à reestruturação radical, mas na ausência de alguma alternativa coerente, elas podem ser um começo.
SOBRE A AUTORA
Neala Schneuling é autora de três livros: America – Song We Sang Without Knowing: the Life and Ideas of Meridel Le Suer; Idle Hands and Empty Hearts: Work and Freedom in the United States; e Women, Community, and the Hormel Strike of 1985-86. Ela está atualmente fazendo uma pesquisa sobre o significado da propriedade e o impacto de uma economia de mercado sobre a economia familiar na Rússia.