SINDICALISTAS NA REVOLUÇÃO RUSSA (G. P. MAXIMOFF)

Edição original: Syndicalists in the Russian Revolution Direct Action Pamphlets no. 11 (Possivelmente) 1970

 Tradução e diagramação: Ateneu Diego Giménez COB-AIT Piracicaba, 2010

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Prefácio ao ATENEU Diego Giménez (2010)

E uma característica notável da revolução que, apesar da relativamente pequena influência dos anarquistas sobre as massas antes de seu início, ela seguiu desde o seu começo o curso anarquista de descentralização total; os corpos revolucionários imediatamente empurrados para a frente pelo curso da revolução eram anarcossindicalistas em seu caráter essencial. Estes eram do tipo que se cedem como instrumentos adequados para a realização mais rápida do ideal anarquista – sovietes, comitês de fábrica, comitês camponeses de terra e comitês de moradia etc.

A lógica interna no desenvolvimento e no crescimento destas organizações levou em novembro (outubro) de 1917 à extinção temporária do Estado e à eliminação das fundações da economia capitalista. Eu disse temporariamente, pois a longo prazo o Estado e o capitalismo triunfaram, com o desenvolvimento lógico da revolução tendo sido abertamente frustrado por aqueles que a princípio foram instrumentais em acelerar o seu rumo de desenvolvimento.

Irrestritos pelas massas demasiadamente confiantes, cujos objetivos e rota de ação, apesar de sentidos instintivamente, estavam ainda longe de serem claramente alcançados, os bolcheviques, à medida que ganhavam a confiança destas massas, gradualmente enveloparam a revolução com a atmosfera gelada da dominação estatal e da força bruta, logo a condenando a um inevitável processo de decadência. Este processo, entretanto, se tornou noticiável somente seis meses após a “Revolução de Outubro”. Até aquele momento, a revolução continuou a amadurecer. A luta se tornou mais aguçada e os objetivos começaram a assumir um caráter mais claro e franco. O país fervia e borbulhava, vivendo uma vida completa sob condições de liberdade.


SINDICALISTAS NA REVOLUÇÃO RUSSA

Grigori Petrovich Maximoff

Ao discutir as atividades e o papel dos anarquistas na Revolução, Kropotkin disse: “Nós anarquistas falamos muito de revoluções, mas poucos de nós estiveram realmente preparados para o trabalho real a ser feito durante o processo. Eu indiquei algumas coisas em relação a isso em A Conquista do Pão. Pouget e Patad também esboçaram uma linha de ação em seu trabalho Sindicalismo e a Comunidade Cooperativa

Kropotkin acreditava que os anarquistas não haviam se dedicado o suficiente aos elementos fundamentais da revolução social. Os fatos reais em um processo revolucionário não consistem tanto na luta real – ou seja, meramente a fase destrutiva necessária para limpar o caminho para o esforço construtivo. O fator básico em uma revolução é a organização da vida econômica do país. A Revolução Russa havia provado conclusivamente que nós devemos nos preparar completamente para isso. Todo o resto é de menor importância. Ele chegou à conclusão de que o sindicalismo iria provavelmente fornecer o que a Rússia mais precisava: o canal através do qual a reconstrução industrial e econômica do país pudesse fluir. Ele se referia ao anarcossindicalismo. Isso e as cooperativas poupariam outros países de alguns dos erros e do sofrimento pelos quais a Rússia estava passando.

Emma Goldman, “Minha Desilusão na Rússia”, em uma visita a Piotr Kropotkin em Dimitrov, julho de 1920.

 SINDICALISTAS NA REVOLUÇÃO RUSSA

A Revolução balançou todas as classes e camadas da vida social russa. Uma vasta inquietação havia permeado todos os níveis da sociedade russa como resultado de três séculos de opressão pelo regime czarista.

Durante a explosão revolucionária, esta inquietação se tornou a força que cimentou os elementos heterogêneos em uma poderosa frente unida e que aniquilou o edifício do despotismo dentro de três dias, um breve período revolucionário, sem precedentes na história. Dentro deste movimento, apesar do fato de que suas forças componentes eram colocadas em ação por tarefas e propósitos diferentes e frequentemente mutuamente exclusivos, reinava a unanimidade total. No momento da explosão revolucionária, os objetivos destas várias forças aconteceram de coincidir, já que eles eram negativos em caráter, sendo dirigidos para a aniquilação do regime absolutista obsoleto. As metas construtivas ainda não estavam claras. Foi somente durante o curso posterior de desenvolvimento, através das construções diferentes alocadas nas metas e tarefas da revolução, que as forças até então amorfas começaram a se cristalizar e uma luta surgiu entre elas pelo triunfo de suas ideias e objetivos.

É uma característica notável da revolução que, apesar da relativamente pequena influência dos anarquistas sobre as massas antes de seu início, ela seguiu desde o seu começo o curso anarquista de descentralização total; os corpos revolucionários imediatamente empurrados para a frente pelo curso da revolução eram anarcossindicalistas em seu caráter essencial. Estes eram dos tipos que se cedem como instrumentos adequados para a realização mais rápida do ideal anarquista – sovietes, comitês de fábrica, comitês camponeses de terra e comitês de moradia etc. A lógica interna no desenvolvimento e no crescimento destas organizações levou em novembro (outubro) de 1917 à extinção temporária do Estado e à eliminação das fundações da economia capitalista. Eu disse temporariamente, pois a longo prazo o Estado e o capitalismo triunfaram, com o desenvolvimento lógico da revolução tendo sido abertamente frustrado por aqueles que a princípio foram instrumentais em acelerar o seu rumo de desenvolvimento. Irrestritos pelas massas demasiadamente confiantes, cujos objetivos e rota de ação, apesar de sentidos instintivamente, estavam ainda longe de serem claramente alcançados, os bolcheviques, à medida que ganhavam a confiança destas massas, gradualmente enveloparam a revolução com a atmosfera gelada da dominação estatal e da força bruta, logo a condenando a um inevitável processo de decadência. Este processo, entretanto, se tornou noticiável somente seis meses após a “Revolução de Outubro”. Até aquele momento, a revolução continuou a amadurecer. A luta se tornou mais aguçada e os objetivos começaram a assumir um caráter mais claro e franco. O país fervia e borbulhava, vivendo uma vida completa sob condições de liberdade.

A grande luta

A luta de classes, grupos e partidos pela influência preponderante sobre a revolução era intensa, poderosa e notável em caráter. Como resultado desta luta, houve uma espécie de impasse de forças; nenhuma estava em posição de exercer superioridade em relação ao resto. Isto por sua vez tornou impossível para o Estado e o governo – a força externa de pé acima da sociedade – se tornarem o instrumento de uma das forças competidoras. O Estado, portanto, estava paralisado, não podendo exercer sua influência negativa no curso dos eventos, tanto que o exército, devido ao seu papel ativo no movimento, deixou de ser um instrumento obediente do poder do Estado. Nesta grande luta de interesses e ideias, os anarquistas tiveram um papel ativo e vívido.

O período de março (fevereiro) a novembro (outubro) de 1917 foi esplêndido em extensão e âmbito para o trabalho anarcossindicalista e anarquista, ou seja, para propaganda, agitação, organização e ação.

A revolução abriu bastante a porta para emigrantes anarquistas retornando de vários países, para onde eles haviam fugido para escapar da feroz perseguição do governo do czar. Mas mesmo antes do retorno dos emigrantes surgiu, com a participação ativa de companheiros libertados da prisão e do exílio, grupos e sindicatos de anarquistas, assim como publicações anarquistas. Com o retorno dos anarquistas do exterior, este trabalho começou a adquirir impulso considerável. A Rússia estava coberta com uma grossa rede de grupos, apesar de muito frouxamente conectados. Dificilmente uma grande cidade não tinha um grupo anarcossindicalista ou anarquista. A propaganda adquiriu proporções sem precedentes para a atividade anarquista na Rússia. Proporcionalmente, havia um grande número de jornais, revistas, folhetos, panfletos e livros anarquistas. O mercado de livros estava inundado com literatura anarquista. O interesse no anarcossindicalismo e no anarquismo era enorme, alcançando mesmo os cantos remotos do norte distante.

Jornais eram publicados não somente nos grandes centros administrativos e industriais, como Moscou e Petrogrado, que tinham vários jornais anarquistas (em Petrogrado a tiragem do anarcossindicalista Golos Trouda e do anarquista Burevestnik era de 25 000 cada; o diário Anarchia, de Moscou, tinha aproximadamente a mesma tiragem), mas também em cidades provinciais como Kronstadt, Yaroslavl, Nizhni- Novgorod, Saratov, Samara, Krasnoyarsk, Vladivostok, Rostov, Don, Odessa e Kiev. (Em 1918, jornais anarquistas estavam sendo publicados em Ivanovo-Vosnesensk, Chembar, Ekaterinburg, Kursk, Ekaterinoslav, Viatka.)

A propaganda oral era ainda mais extensa que a escrita – ela era rezalizada no exército, assim como nas fábricas e nas vilas. A propaganda destacava a tarefa central de trazer e levar até seu fim lógico os princípios e tendências anarquistas inerentes à revolução. Esta propaganda, especialmente a propaganda anarcossindicalista, foi muito bem sucedida para com os trabalhadores. A influência do anarquismo, especialmente em sua variedade anarcossindicalista, era tão grande entre os trabalhadores de Petrogrado que os social-democratas foram obrigados a editar uma publicação especial com o propósito de comandar uma luta contra “o anarcossindicalismo entre o proletariado organizado”. Infelizmente, esta influência não estava organizada.

“Centralismo via Federalismo”

 A influência do anarcossindicalismo se mostrou louvável na luta pela supremacia empreendida pelos Comitês de Fábrica contra os sindicatos. Os Comitês de Fábrica eram quase que completamente balançados por uma linha ímpar de anarcossindicalismo; isto é atestado por todas as conferências dos Comitês de Fábrica de Petrogrado e pelas Conferências de Todas as Rússias destes comitês. Além disso, os bolcheviques em seu desejo de tomada do poder e de ditadura, foram forçados a deixar de lado (somente pelo momento, como os eventos subsequentes provaram) seu marxismo ortodoxo e aceitar lemas e métodos anarquistas. Infelizmente, isto não passou de uma jogada tática de sua parte, não de uma mudança genuína do programa. Os lemas formulados pelos bolcheviques (comunistas) exibiam, de uma maneira precisa e inteligível, as demandas das massas em revolta, coincidindo com os lemas dos anarquistas: “Abaixo a guerra”, “Paz imediata sem anexações ou indenizações, sobre as cabeças dos governos e dos capitalistas”, “Abolição do exército”, “Armar os trabalhadores”, “Tomada imediata da terra pelos camponeses”, “Tomada das fábricas pelos trabalhadores”, “Uma Federação de Sovietes” etc. A realização destes lemas não levariam ao triunfo total da ideologia anarquista e à eliminação das bases e fundações do marxismo? Não era natural que os anarquistas fossem levados por estes lemas, considerando que eles não possuíam uma organização forte para os carregar independentemente? Consequentemente, eles continuaram atuando na luta conjunta.

Mas a realidade logo provou que todos os lapsos dos bolcheviques da posição revolucionária não foram coisas casuais, mas manobras em um plano tático rigorosamente pensado, dirigido contra os interesses vitais e as demandas das massas – um plano designado para colocar em prática os dogmas mortos de um marxismo desintegrado. A verdadeira face dos bolcheviques foi revelada pelo comissário de assuntos nacionais – Stalin (Dzhugashvili), que em um de seus artigos (abril de 1918) escreveu que seu objetivo era “Chegar ao centralismo via federalismo”. Persistentemente, cuidadosamente, a revolução estava sendo forçada em canais marxistas em conformidade com um plano preconcebido. Tal canal é para todo credo popular uma cama de Procusto.

Portanto, durante o período de governo burguês e socialista-burguês, os anarquistas trabalharam (não ocasionalmente, é claro) lado a lado com os bolcheviques. Como os anarquistas estavam situados durante este período? A listagem das cidades de onde publicações anarquistas saíam mostra que a liberdade de imprensa era muito extensa. Nem um único jornal era fechado, nem um único folheto, panfleto ou livro confiscado, nem um único comício ou reunião em massa proibida. Apesar da tomada de casas particulares ricas, como o Durnovo Villa e outras mansões em Petrogrado; apesar da tomada de gráficas, incluindo a gráfica do Russkaya Volia, publicado pelo ministro do czar Protopopov; apesar da incitação aberta à insubordinação e aos apelos para que os soldados deixassem as frentes de batalha; apesar de tudo isto, somente alguns casos em que anarquistas foram maltratados podem ser interpretados como conivência por parte das autoridades, ou atos premeditados. É verdade que o governo naquele período não estava averso a lidar severamente tanto com anarquistas quanto com bolcheviques. Kerensky ameaçou muitas vezes “queimá-los com ferro quente”. Mas o governo estava impotente, porque a revolução ia a todo o vapor.

Depois de outubro

Como a posição dos anarquistas mudou com o triunfo da revolução de outubro, em cujo preparo e construção eles haviam tido um papel proeminente? Deve ser apontado que durante o período de Kerensky os anarquistas haviam crescido consideravelmente e que até os dias de outubro seu movimento já havia assumido proporções consideráveis. Este crescimento se tornou ainda mais acelerado depois da revolução de outubro, quando os anarquistas tiveram um papel ativo na luta direta contra tanto a contrarrevolução quanto as tropas germano-austríacas. Não somente a voz dos anarquistas gerava atenção, mas as massas realmente seguiram os apelos e as diretivas dos anarquistas, chegando a ver neles a formulação concreta de suas aspirações duradouras. É por isso que elas apoiaram demandas de caráter anarcossindicalista, as conduzindo frente a esforços incapacitantes, bastante frouxos naquela época, dos bolcheviques.

Sob a influência da propaganda anarcossindicalista, começou em Petrogrado um processo espontâneo de socialização das casas pelos comitês de moradia. Isto se estendeu para ruas inteiras, trazendo à existência comitês de rua e comitês de bairro, quando bairros inteiros foram atraídos. Em Kronstadt isto começou ainda mais cedo que em Petrogrado e alcançou ainda maior intensidade. Se em Petrogrado e em outras cidades habitações foram socializadas somente com o triunfo da revolução de outubro, em Kronstadt passos similares foram tomados antes, sob a influência de Yartchuk, que estava desfrutando de grande popularidade naquela cidade, e à vista da resistência ativa dos bolcheviques. Medidas deste tipo foram tomadas de uma maneira organizada pelos trabalhadores revolucionários e marinheiros por toda a cidade. A fração bolchevique deixou uma sessão da Soviete de Kronstadt em protesto contra a socialização de habitações.

Controle operário

No campo da luta revolucionária em direção à abolição imediata da instituição da propriedade privada dos meios de produção, a influência dos anarquistas foi ainda mais pronunciada. A ideia de “controle operário”, desenvolvida através dos Comitês de Fábrica, uma ideia advogada pelos anarcossindicalistas desde o princípio da revolução, criou raízes entre os trabalhadores da cidade, ganhando um domínio tão forte sobre eles que forçou sua aceitação, de uma maneira distorcida, é claro, pelos partidos socialistas. Os social-democratas e os social-revolucionistas de direita perverteram esta ideia de controle operário em uma de controle do Estado sobre a indústria com a participação dos trabalhadores, deixando as empresas nas mãos dos capitalistas.

Quanto aos bolcheviques, eles foram bastante vagos sobre o significado do termo “controle operário”, deixando-o indefinido e fazendo-o uma ferramenta útil de propaganda demagógica. Isto é confirmado por A. Lozovsky (S. A. Dridzo), que escreve o seguinte em seu panfleto Controle Operário (Petersburgo, Socialist Publishing House, 1918):

 Controle operário era o lema de luta dos bolcheviques antes dos dias de outubro… mas apesar do fato de que o controle operário estava presente em todas as resoluções e era exibido em todos os cartazes, havia uma aura de mistério quanto a ele. A imprensa do partido escreveu muito pouco quanto a este lema, ainda menos tentou implementá-lo de uma maneira concreta. Quando a revolução de outubro irrompeu e se tornou necessário dizer clara e precisamente o que este controle operário era, pareceu que, mesmo entre os partidários deste lema, havia grandes diferenças de opinião quanto a este assunto, (p. 19)

Os bolcheviques se recusaram a aceitar a construção anarcossindicalista da ideia de controle operário: nominalmente, tomar o controle da produção e de sua socialização e instituir o controle operário sobre a produção socializada através dos Comitês de Fábrica. Esta ideia venceu, com os trabalhadores tendo começado a expropriar empresas enquanto o governo burguês-socialista ainda estava no poder. Os Comitês de Fábrica e os vários comitês de controle já estavam assumindo as funções administrativas naquela época. Na véspera da revolução de outubro, este movimento assumiu um verdadeiro caráter de massa.

Comitês de Fábrica

Os Comitês de Fábrica e seu Birô Central se tornaram a fundação do novo movimento revolucionário, o qual se deu a tarefa de transformar as fábricas em comunas produtoras e consumidoras. Os Comitês de Fábrica deveriam se tornar o núcleo da nova ordem social gradualmente emergindo da vida elementar incipiente da revolução. Anarquista em sua essência, os Comitês de Fábricas fizeram muitos inimigos. A atitude de todos os partidos políticos foi hostilidade moderada, seus esforços se centrando em reduzir os Comitês de Fábrica a uma posição subordinada dentro dos sindicatos. Os comunistas desde o princípio mostraram sua suspeita a este tipo de organização. Foi somente depois de que eles se convenceram de que os sindicatos estavam muito fortemente dominados pelos social-democratas para se cederem como instrumentos da política comunista que, seguindo os anarcossindicalistas, eles começaram a centralizar sua atenção para os Comitês de Fábrica, objetivando colocá-los sob seu controle e, através destes comitês, finalmente ganhar controle dos sindicatos. Apesar desta atitude, os bolcheviques foram forçados pelo curso dos eventos a assumir uma posição perante os Comitês de Fábrica que diferia pouco daquela dos anarcossindicalistas. Somente gradualmente eles realmente assumiram esta posição. Primeiro eles a combateram.

Os anarcossindicalistas se entrincheiraram atrás dos Comitês de Fábrica. Eles criaram uma verdadeira teoria ao redor deles, dizendo de fato que os sindicatos morreram, que o futuro pertence aos Comitês de Fábrica, que eles irão desferir o golpe derradeiro ao capitalismo, que os Comitês de Fábrica são a mais alta forma do movimento operário etc. Em uma palavra, eles desenvolveram em relação aos Comitês de Fábrica a mesma teoria que os anarcossindicalistas franceses desenvolveram em relação aos sindicatos. Sob estas condições, o divórcio entre as duas organizações (os sindicatos e os Comitês de Fábrica) representam o mais alto perigo para o movimento operário da Rússia. Este perigo é o maior de todos, tanto que até mesmo entre nós que somos pessoas ativas do Comitê das Fábricas que não são anarcossindicalistas vemos esta tendência a opor os sindicatos aos Comitês de Fábrica e até mesmo de substituir sindicatos industriais e seus ramos locais com organizações respectivas do tipo do Comitê de Fábrica. – Lozovsky, Controle Operário (p. 37).

Tomada de empresas

Caracteristicamente, somente a imprensa anarcossindicalista avaliou corretamente o papel e a significância dos Comitês de Fábrica. O primeiro artigo na imprensa revolucionária sobre este problema, escrito pelo autor destas linhas, apareceu na primeira edição do Golos Trouda. (Incidentalmente, o artigo não expressava a opinião do Golos Trouda como um todo sobre este problema.) Em uma das conferências do Comitê das Fábricas realizada em Petrogrado, durante agosto de 1917, o artigo foi calorosamente contestado pelos bolcheviques, notavelmente Lozovsky e outros. Mas esta ideia, lógica em si mesma e respondendo o humor e as necessidades dos trabalhadores, se tornou dominante mesmo no Partido Bolchevique. Mesmo Lenin declarou em seu discurso na Convenção dos Sindicatos de Todas as Rússias (realizada na primavera de 1918) que “a fábrica é uma comuna autogovernada de produtores e consumidores”.

Os resultados desta propaganda anarcossindicalista logo deu frutos. Se seguiu uma onda de tomadas de empresas e a organização da Gestão Operária. Isto começou quando o governo provisório ainda estava no poder e, é lógico, os anarquistas desempenharam o papel principal no ocorrido. O evento do tipo mais falado naquele período foi a expropriação, sob a influência direta do anarquista Zhuk, dos moinhos de pólvora de Shlisselburg e das propriedades agrícolas, ambas organizadas por base em princípios anarquistas. Tais eventos recorreram ainda mais frequentemente, e na véspera da revolução de outubro eles chegaram a ser considerados como uma coisa natural. Logo após o triunfo da revolução de outubro, o Birô Central dos Comitês de Fábrica produziu instruções extensas para o controle da produção. Estas instruções provaram ser um docu m ento literário brilhante, mostrando o triunfo da ideia anarcossindicalista. A significância deste incidente é ainda maior considerando que os bolcheviques eram então predominantes nos Comitês de Fábrica.

O quanto os trabalhadores foram influenciados pela ideia dos Comitês de Fábrica como sendo os corpos executivos das Comunas-Fábricas – os corpos celulares se juntando em uma organização federativa, que une todos os trabalhadores e cria o sistema administrativo industrial necessário – é mostrado pelo desconforto que os bolcheviques revelaram depois da revolução de outubro.

Em lugar da “República de Sovietes”, nós somos conduzidos a uma república de cooperativas operárias (artéis), na qual as fábricas capitalistas seriam metamorfoseadas por este processo. Ao invés de uma rápida regulação da produção e do consumo social – ao invés de medidas que, contestadas como podem em vários aspectos, realmente apresentam um passo genuíno em direção a uma organização socialista da sociedade – ao invés disso nós estamos testemunhando algo que compartilha um pouco dos sonhos visionários anarquistas sobre comunas industriais autônomas. – I. Stepanov, Do controle operário à administração operária nas indústrias e na agricultura (Moscou, 1918, p. 11).

A predominância dos bolcheviques torna ainda mais notável os sucessos alcançados por nossos companheiros, especialmente o de W. Shatov, em seu trabalho desenvolvido dentro dos Comitês de Fábrica. (Shatov liderou o ataque ao Palácio de Inverno, Petrogrado, em outubro de 1917. Ele deixou o movimento anarcossindicalista e se tornou de fato um bolchevique a partir do exato momento em que a capital foi movida para Moscou no começo de 1918. Ele foi preso e provavelmente fuzilado sem julgamento durante as purgas no fim dos anos 1930.) Apesar de dominado pelos bolcheviques, os Comitês de Fábrica daquele período estavam conduzindo a ideia anarquista. Esta, é claro, sofria em claridade e pureza quando conduzida pelos bolcheviques dentro dos Comitês de Fábrica; se os anarquistas estivessem em maioria eles teriam tentado eliminar completamente do trabalho dos comitês o elemento da centralização e os princípios estadistas.

Sindicalismo espontâneo

Nós não estamos aqui para dar uma história detalhada do mov im ento sindicalista russo, ou uma crônica da luta dos vários partidos políticos e de grupos dentro dos sindicatos. A nossa tarefa é puramente informativa. Nós queremos salientar aqueles momentos na vida do movimento sindicalista destacados pelo trabalho da minoria anarcossindicalista. O movimento operário, como a própria revolução, surgiu espontaneamente. Ele colocou de lado os sindicatos, se baseando principalmente nos Comitês de Fábrica e suas associações, especialmente em Petrogrado.

Apesar do proletariado russo ser, como um todo, inteiramente ignorante das ideias do Sindicalismo Revolucionário, e apesar da escassez da literatura anarcossindicalista, assim como de uma ausência quase total de representantes deste movimento entre os trabalhadores russos, apesar de tudo isso, o movimento operário de toda a Rússia caminhou pela via da descentralização. Ele escolheu espontaneamente a rota de um Sindicalismo Revolucionário singular. Ao contrário de outros períodos, o período seguinte à revolução de fevereiro de 1917 foi caracterizado pela participação ativa dos anarcossindicalistas – trabalhadores que haviam retornado à Rússia dos Estados Unidos, onde eles tinham participado das lutas do Industrial Workers of the World (IWW).

Comitês de Fábrica vs. Sindicatos

Até janeiro de 1918, ou seja, até a Primeira Convenção de Sindicatos de Todas as Rússias, o movimento operário navegou sob as velas dos Comitês de Fábrica. Estes batalharam firmemente tanto contra os elementos burgueses que lutavam silenciosamente por supremacia quanto contra os sindicatos. Esta luta assumiu um caráter especialmente forte depois da Terceira Convenção de Sindicatos de Todas as Rússias, que revelou claramente o abismo entre as táticas e os objetivos dos sindicatos e aqueles dos Comitês de Fábrica. Os últimos, unidos primeiro em Petrogrado e então por toda a Rússia, eliminaram seus próprios corpos centrais e deram a pedra angular para a rota da revolução. Os anarcossindicalistas tiveram um papel ativo tanto nos Comitês de Fábrica quanto nos sindicatos. Não havia unanimidade nas fileiras anarcossindicalistas sobre qual das duas organizações deveria ser preferida. O movimento encabeçado pelo autor destas linhas estava longe de ser apoiado pelo resto dos anarquistas. Não foi aceito nem mesmo pelo grupo que publicava o Golos Trouda. Da mesma maneira, muitos bolcheviques tinham aversão ao ponto de vista favorecendo os Comitês de Fábrica contra os sindicatos. Em uma destas conferências dos Comitês de Fábrica de Petrogrado, Lozovsky sujeitou esta visão e o movimento que a apoiava a um ataque cruel e inescrupuloso.

Em geral, entretanto, os elementos anarcossindicalistas apresentaram uma preferência pelos Comitês de Fábrica, tendo concentrado suas forças em sua direção. Eles estavam representados em muitos Comitês de Fábrica individuais, assim como no Birô de Petrogrado e no Birô Central de Comitês de Fábricas de Todas as Rússias. Além disso, os anarcossindicalistas influenciaram o trabalho das conferências dos Comitês de Fábrica, cujo jornal, Novy Put, foi fortemente colorido com um tipo singular de anarcossindicalismo, apesar de nenhum anarcossindicalista ter estado em sua equipe.

Em vista desta influência direta e indireta dos anarcossindicalistas, os jornais burgueses e socialistas começaram a mostrar preocupação: os jornais Dien (burguês), Novaya Zhizn (socialista), Izvestia Petrogradskogo Obshtchestva Zavochikovy Fabricantov (burguês), Izvestia Tzentralnogo Ispolnitelnogo Komiteta (socialista), Rabochaya Gazeta (socialista) etc. Os social-democratas editaram uma publicação especial ( Rabochaya Mysl ) para combater a influência anarcossindicalista entre o proletariado organizado.

Em vão, todavia. Os anarcossindicalistas estavam conquistando as massas com o lema de “Controle Operário”. Massas ainda maiores de trabalhadores foram colocadas sob a influência anarcossindicalista, que as impeliu a proceder com a tomada das fábricas. A influência do lema anarcossindicalista “Controle Operário” se mostrou no Manual para a Condução do Controle Operário da Indústria, editado e publicado pelo Conselho Central dos Comitês de Fábrica de Petrogrado e que encontrou uma forte repulsa dos bolcheviques e dos mencheviques na Primeira Convenção de Sindicatos de Todas as Rússias. (Veja Primeira Convenção de Sindicatos de Todas as Rússias: Relatório Estenográfico. Também, A. Lozovsky [Dridzo], Controle Operário.)

Os anarcossindicalistas naquele momento tinham suas organizações fora dos sindicatos e estavam publicando jornais e revistas. Em Petrogrado, Golos Trouda; em Kharkov, Rabochaya Mysl; em Krasnoyarsk, Sibirsky Anarchist; em Moscou, o órgão sindicalista revolucionário Rabochaya Zhizn, etc. Os anarcossindicalistas estavam representados em numerosos Comitês de Fábrica e sindicatos, onde eles estavam desempenhando propaganda intensa. A grande maioria dos anarcossindicalistas acreditava que, trabalhando dentro dos sindicatos, eles conseguiriam transmitir a eles uma direção anarcossindicalista.

O alcance do movimento

Antes da Primeira Convenção de Sindicatos de Todas as Rússias, os anarcossindicalistas conseguiram organizar na plataforma do IWW americano entre 25 e 30 mil mineiros do distrito de Debaltzev na Bacia Don. O massacre dos cossacos, que levou ao assassinato do companheiro Koniayev, organizador deste sindicato, e a guerra civil subsequente, destruíram estes inícios. O mesmo era verdade para o trabalho anarcossindicalista na mina de Cheremkhovo, antes da rebelião checoslovaca. Em Ekaterinodar e pela província de Novorossiysk, o movimento operário estava adotando a plataforma anarcossindicalista. Este movimento foi encabeçado por B. Yelensky, Katia Gorbova e outros. O movimento abraçou toda a província de Chernomorsky, com as cidades de Ekaterinodar e Novorossiysk. Os principais contingentes neste movimento eram trabalhadores do porto e de cimento. Em Moscou, os anarcossindicalistas tinham uma influência dominante entre os trabalhadores das ferrovias, de perfumarias e outros. (O mov im ento foi conduzido por companheiros incluindo Preferansov, N. K. Lebediev Kritskaya). Traduzir esta influência em termos de números definidos é difícil. Nós podemos apenas apontar que, na Primeira Convenção de Sindicatos de Todas as Rússias, havia uma facção anarcossindicalista. Ela incluía uns poucos maximalistas e outros simpatizantes totalizando vinte e cinco pessoas. E já que a base da representação estava na média de um delegado por 3.000, 3.500 membros, pode-se dizer que o número de trabalhadores anarcossindicalistas organizados alcançava 88.000. Este número, todavia, pode seguramente ser aumentado duas ou três vezes para formar uma ideia adequada do alcance real do movimento.

Os Comitês de Fábrica subordinados

 Na Primeira Convenção de Sindicatos, imediatamente após a revolução de outubro, os bolcheviques e os social-revolucionistas de esquerda estavam em maioria. Isso significou a vitória dos sindicatos sobre os Comitês de Fábrica. Os bolcheviques subordinaram os Comitês de Fábrica, que eram federalistas e anarquistas por natureza, aos sindicatos centralizados. Com a ajuda dos sindicatos, os bolcheviques conseguiram fazer dos Comitês de Fábrica uma ferramenta de sua política de dominação sobre as massas. Tendo conseguido isso, os bolcheviques continuaram a destituir os Comitês de Fábricas de todas as suas funções. E a esta altura os Comitês de Fábrica preenchiam apenas uma função, o papel policial imposto a eles pelos bolcheviques.

Em 1918, o terror bolchevique ainda poupava os sindicatos. E então nós vimos o desenvolvimento de um movimento anarcossindicalista no sindicato de padeiros de Moscou, Kharkov e Khiev (muito trabalho enérgico foi conduzido entre os padeiros de Khiev por A. Baron, que, se não foi executado até agora [1940], ainda está sendo mantido na prisão ou no exílio; desde 1920, ele foi levado e trazido de várias prisões para locais de exílio), e entre os trabalhadores postais e telégrafos de Petrogrado. Na Convenção de Trabalhadores Postais e Telégrafos de Todas as Rússias, os anarcossindicalistas exerceram uma poderosa influência, com mais de metade dos delegados seguindo sua liderança. (Os principais trabalhadores anarcossindicalistas neste sindicato eram Milhalev, Bondarev e outros. A extensão da influência anarcossindicalista no sindicato pode ser julgada pela leitura do relatório estenográfico da convenção realizada em 1918.) O ramo deste sindicato em Petrogrado marchava sob as bandeiras do anarcossindicalismo. Sua publicação, Izvestia Pochtovo- Telegrainikh Sluzhashtchikk Petrograda era editada por anarcossindicalistas. O mesmo era verdadeiro para o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes em Rios da Bacia Volga onde, devido ao trabalho do companheiro Anosov, a publicação do sindicato defendeu uma posição anarcossindicalista definida.

A captura dos sindicatos

Tudo isso, porém, foi destruído pelos bolcheviques. O princípio industrial por trás do processo de fusão de sindicatos em grandes unidades se tornou uma arma útil na luta bolchevique contra o anarcossindicalismo. Em primeiro lugar, os bolcheviques começaram a consolidar aqueles sindicatos que eles consideravam não confiáveis do ponto de vista de seu próprio desejo básico de dominação. A manobra foi fundir tais sindicatos na massa geral e espalhar os principais trabalhadores anarcossindicalistas em sindicatos considerados “confiáveis” do seu ponto de vista. Logo caíram diversos sindicatos de mentalidade anarquista: o sindicato dos telégrafos em Petrogrado, dos trabalhadores de perfumaria em Moscou, dos trabalhadores de transporte em rios em Kazan, as organizações de algumas importantes junções de ferrovias de Moscou e Kursk, onde companheiros como Kovalevich e Dvumjantzev desempenharam um importante papel.

Devido a esta medida e a uma centralização intensa, junto com a manipulação inescrupulosa de votos e, em alguns lugares, as várias medidas aplicadas pelas autoridades, os corpos administrativos caíram nas mãos dos comunistas. A Segunda Convenção de Sindicatos de Todas as Rússias (1919) fornece um exemplo expressivo deste processo de captura dos sindicatos. Naquela convenção, o número de delegados anarcossindicalistas e simpatizantes foi de apenas 15. Ou seja, eles representavam apenas 52.950, em um momento em que a simpatia dos trabalhadores pelo anarcossindicalismo estava notavelmente em acensão, um fato acentuado por uma diminuição simultânea da postura dos bolcheviques aos olhos dos trabalhadores. As regras vigentes da convenção privavam os anarcossindicalistas do direito de ter seu próprio porta-voz sobre as importantes questões da ordem do dia. Na terceira convenção, em 1920, havia apenas 10 delegados anarcossindicalistas (incluindo simpatizantes, representando apenas 35.300 pessoas.

Essas convenções demonstraram completamente o fracasso das táticas advogadas pelo Golos Trouda, que tinha peso entre os anarcossindicalistas da Rússia. (O autor era parte da equipe do Golos Trouda, mas isso não o impede de reconhecer os erros cometidos pelo jornal.) A falta de sindicatos puramente revolucionários acelerou a destruição dos movimentos anarquista e sindicalista. Espalhadas entre os sindicatos bolcheviques, as forças anarcossindicalistas não puderam mostrar nenhuma resistência e foram esmagadas pela política de ferro da “Ditadura do Proletariado”.

No começo de 1920, somente um sindicato em Moscou se mantinha na linha anarcossindicalista. Este era o Sindicato dos Padeiros, cuja orientação anarcossindicalista era devida ao trabalho de nosso companheiro N. I. Pavlov. (Este, contudo, renegou suas visões anarcossindicalistas sobre a pressão do GPU, sendo este o preço pago por ele por sua liberdade. Pavlov deu o depoimento repudiando suas visões anarquistas na saída da prisão.) Um fator que contribuiu para a persistência da influência anarcossindicalista no sindicato dos padeiros foi o trabalho dos maximalistas, Niushenkov e Kamyshev.

Na Segunda Convenção de Todas as Rússias, a delegação do Sindicato dos Padeiros continha uma facção “federalista” contendo de 10 a 15 pessoas, cuja representação se estendia a aproximadamente um terço dos membros do sindicato. Naquela convenção, a primeira tentativa foi feita (Maximoff, Niushenkov, Pavlov) de organizar uma Federação dos Trabalhadores da Alimentação revolucionária e oculta. Este seria o primeiro passo em direção à organização de uma Confederação Geral do Trabalho russa. A jogada teria sido uma tentativa genuína do Comitê Executivo dos Anarcossindicalistas Russos de conduzir os pontos básicos de seu programa. Em vista das repressões que logo começaram, o comitê dos companheiros mencionados acima, eleito na reunião da facção da convenção, nem mesmo teve uma chance de iniciar seu trabalho como planejado na reunião. Esta foi a última manifestação vívida da luta do anarcossindicalismo dentro do sindicato controlado pelos comunistas de Estado.

Centralização e terror

O programa do movimento sindicalista russo era como se segue: centralização, associação compulsória, disciplina compulsória aplicada por tribunais disciplinares, tutela do partido político (o Partido Comunista neste caso), militarização do trabalho, serviço operário compulsório, exércitos operários, fixação dos trabalhadores aos seus locais de trabalho, nacionalização da produção, administração individual (ao invés de administração coletiva), escalas de trabalho graduadas (36 categorias), introdução do sistema intensivo, taylorismo, trabalho por tarefa, bônus, sistemas de premiação etc. O controle operário e a administração operária foram proscritos e o apoio incondicional ao governo era exigido.

A política e o programa dos sindicatos foram completamente determinados (e ainda são) pela política e pelo programa do “Governo Comunista”. No presente, e isto foi verdadeiro por vários anos, os sindicatos, ou melhor, seus centros administrativos, não possuem nada em comum com as massas proletárias. Eles somente espelham a política do governo, preenchendo todas as suas demandas às custas da classe trabalhadora.

O Estado soviético manteve seus métodos terroristas na supressão de toda a oposição dentro dos sindicatos, desferindo punições brutais a qualquer um que violasse os decretos governamentais, que são prejudiciais aos trabalhadores. Neste aspecto, os sindicatos provaram ser uma das muitas agências repressoras governamentais, trabalhando em colaboração próxima com os outros órgãos punitivos do Estado: a Cheka, os Tribunais do Povo, a GPU etc.

O seguinte é uma ilustração precisa desta política terrorista sobre os trabalhadores. Krasny Nobat e Uralsky Rabochy relataram os seguintes casos: por tirar um dispensa do trabalho de três dias não autorizada, um dos trabalhadores foi sentenciado a descarregar 5.000 libras (801 toneladas) durante dez dias. Tudo isto para ser feito depois de seu dia de trabalho regular. Muitos outros trabalhadores foram sentenciados ao trabalho prisional obrigatório pelo mesmo “crime” de se ausentarem durante o trabalho. Esta política escravista floresceu especialmente na região de Ural durante a administração de Trotsky e Piatakov.

Uma inspeção governista das condições sanitárias e técnicas prevalentes no Distrito Carvoeiro Central revelou uma situação pavorosa, frente a qual até mesmo a mais medonha exploração capitalista empalidece em comparação. Em nome da “comunidade”, ou seja, do lucro do Estado, os trabalhadores tiveram que viver a vários quilômetros das minas em quartéis caindo aos pedaços construídos em madeirite e sem o conforto mínimo, onde mesmo portas e janelas haviam caído em desuso. No inverno, os quartéis praticamente não forneciam nenhuma proteção contra geleiras e ventos gelados. Não havia banheiros e os trabalhadores foram obrigados a usar fossas ao redor dos quartéis.

Os mineiros estavam recebendo meia libra de pão por dia – sob a condição de que eles cumprissem sua norma de trabalho diária. Ao falhar nisso, eles eram privados desta ração. Além disso, horas extras eram exigidas dos trabalhadores, que eram pagos por elas com uma refeição por dia. Os trabalhadores que não cumpriam sua norma eram mantidos na mina até que eles completassem sua tarefa diária. E isto deixa de fora o relato da tirania flagrante e das ações despóticas que caracterizavam a atitude da administração para com os trabalhadores. (Este dado foi retirado do relatório não publicado dos médicos que estavam conduzindo esta investigação. O relatório é mantido entre os materiais do Departamento de Salvaguarda do Trabalho, no Comissariado do Trabalho.)

Tais condições foram especialmente prevalentes na vida dos trabalhadores de Ural durante a administração de Trotsky e Piatakov. Na usina de Izhevsk, por exemplo, um trabalhador anarquista de nome Gordeyev foi fuzilado por falhar em se submeter à disciplina trabalhista (veja Golos Rossiyi pela primeira metade de 1922, Berlim). Em Ekaterinburg (agora Sverdlovsk), trabalhadores da casa da moeda foram sentenciados a trabalhos forçados em prisão, seu “crime” tendo sido “violação da disciplina do trabalho”.

Qual era o programa anarcossindicalista, em oposição àquele dos “sindicatos comunistas” controlados pelo governo? Brevemente, era que o Estado – mesmo o chamado Estado benevolente – é o inimigo da classe trabalhadora. E lógico, portanto, que a primeira tarefa dos sindicatos deveria ser se emancipar da prisão estatal, enfatizar a significância da organização industrial. De acordo com esta premissa, os anarcossindicalistas construíram seu programa e suas táticas no movimento sindicalista russo.


 O AUTOR

 GRIGORI PETROVICH MAXIMOFF nasceu em 10 de novembro de 1893, no vilarejo russo de Mitushino, província de Smolensk. Depois de estudar para o sacerdócio, ele percebeu que esta não era sua vocação e foi para São Petersburgo, onde ele se gradou como agrônomo na Academia Agrícola em 1915. Ele se juntou ao movimento revolucionário enquanto estudante, foi um propagandista ativo e, depois da revolução de 1917, se juntou ao Exército Vermelho. Quando os bolcheviques usaram o exército para trabalho policial e para desarmar os trabalhadores, ele se recusou a obedecer ordens e foi sentenciado à morte. A solidariedade do sindicato dos metalúrgicos salvou sua vida.

Ele editou os jornais anarcossindicalistas Golos Trouda (Voz do Trabalho) e Novy Golos Trouda (Nova Voz do Trabalho). Preso em 8 de março de 1921 durante a revolta de Kronstadt, ele foi mantido com outros companheiros na Prisão Taganka, Moscou. Quatro meses mais tarde ele entrou em greve de fome por dez dias e meio e a terminou somente quando a intervenção de sindicalistas europeus, que participavam de um congresso da Internacional dos Sindicatos Vermelhos, assegurou para ele e seus companheiros a possibilidade de procurar exílio no exterior.

Ele foi para Berlim, onde ele editou Rabotchi Put (Caminho do Trabalho), um jornal dos sindicalistas russos no exílio. Três anos mais tarde ele foi para Paris, e então para os E.U.A., onde ele se estabeleceu em Chicago. Lá ele editou Golos Truzhenika (Voz do Trabalhador) e mais tarde Dielo Trouda-Probuzhdenie (Despertar para a Causa do Trabalho) até sua morte em 16 de março de 1950. Seus escritos incluem A Guilhotina em Trabalho (1940), uma história totalmente documentada dos 20 anos do terror bolchevique na Rússia, cujos extratos formam o presente panfleto; Anarquismo Construtivo (1952) e uma seleção abrangente dos escritos de Mikhail Bakunin, A Filosofia Política de Bakunin: Anarquismo Científico (1953). Os últimos dois foram publicados postumamente.

Maximoff morreu enquanto estava ainda no auge da vida, como resultado de um problema no coração, e seu luto foi sentido por todos que tiveram a boa sorte de conhecê-lo. Ele não era apenas um pensador lúcido, mas um homem de caráter impecável e ampla compreensão humana. E ele era uma pessoa completa, em quem a clareza de pensamento e o calor do sentimento estavam unidos da maneira mais feliz. Ele viveu como um anarquista, não porque ele sentia algum tipo de obrigação de fazê- lo, imposta do lado de fora, mas porque ele não podia fazer o contrário, pois sua existência íntima sempre o provocou a agir como ele sentia e pensava.

 Rudolph Rocker


Un comentario en «SINDICALISTAS NA REVOLUÇÃO RUSSA (G. P. MAXIMOFF)»

  1. […] SINDICALISTAS NA REVOLUÇÃO RUSSA (G. P. MAXIMOFF) Esta entrada fue publicada en BIBLIOTECA ANARCOSINDICALISTA el 6 enero, 2021 por Manuel VILLAR. […]

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